sábado, 3 de outubro de 2009

Haiku de um verão em 200X

Sem data; provavelmente todos escritos nos meses de verão de 2002 ou 2003. Planejava continuar a fazer uma coletânea através das estações, como é costume nas coletâneas de haiku japoneses; porém creio que o mesmo espírito de cegueira e feiúra, aquele que me impede de fazer poesia atualmente, deu as caras. Retirado do arquivo pessoal de textos do autor, que se encontrava no domínio GeoCities e que, por decorrência do cancelamento do serviço de provisão gratuita de espaço online do mesmo, estava em perigo de extinção digital.

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O que é um haikai? Haikai é uma forma de poesia japonesa: tercetos de 5, 7 e 5 sílabas poéticas, levemente orientados quanto à forma. O conteúdo? Cabe um universo inteiro, desde um pulo de rã até as moscas da sala. Inicialmente uma forma mais popular e cômica da poesia da aristocracia (e consequente niponicamente rígida e formal), o haikai, através sobretudo da alma de um ex-samurai japonês chamado Basho, adquiriu a suavidade e a beleza de um michi, um do. O caminho da poesia, passo a passo com outros tantos do: sado, kado, kendo, kyudo e last but not least aikido.

Claro está e claro fica que o que chamo de "haikai" pode estar a revirar os olhinhos de Basho no céu das garças (embora eu ache que ele esteja mais feliz que eu, com os meus poemetos). Em primeiro lugar que, lido num livro por aí, vejo que o haikai era uma arte mais ascética, além de plenamente zen. Quer dizer que não se costuma ver "transporte sensual" neste tipo de poesia. Olhólhó: seu Basho, este menino aqui ainda pensa naquilo. Mas deixe estar. Se mentes eruditas dizem que de haikai só a embalagem, chamem do que quiser: epigramas, quadrinhas, versinhos. Tudo uma brincadeira, no melhor dos espíritos.







VERÃO







ninguém escapa ao'castigo;
melhor seria se viessem
falar comigo.







a poesia:
fantasmagoria
do dia.







perto de uma criança,
só vejo meu defeito:
perco o jeito.







do café na mão,
sobe o vapor azulado:
assombração.







desencana:
o chilrear dos pássaros
a tarde não me engana.







noite alta:
se eu pudesse
tocar uma flauta!







[deep at night:
if I could
play on a pipe]







suave pele:
geme o amor, barraca
no fim da tarde.







do canto d'olho
mosquitinhos evolam:
bananas podres







ah, andorinha!
anda, bica e caminha
ah! andorinha...







eita, mormaço!
três ônibus em fila
andam parados







a grama verde
parece pular no mar:
maré baixa







as gaivotas
fincadas na areia
esperam atentas







tarde de sol:
de dentro do ônibus vejo
brilhar a água







d'ônibus descem
em movimento, gente
e verdes campos







longo marulhar
lua no mar tranquilo
mar no mar no mar

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