quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O leito de Procusto

Procusto era um bandido que vivia em uma floresta. A todos que ele passavam por tal lugar ele oferecia guarida e dormida; ele colocava, então, o sujeito em uma cama/leito de um único tamanho e, se a pessoa fosse maior que a cama, ele cortava o que sobrava das pernas com um machado. Se ela fosse menor, ele estirava a pessoa com cordas e afins.

O leito de Procusto é a metáfora da medida única: se sobra, corta; se falta, estica. De fazer caber em uma única cama o que, por natureza, não tem medida única. De tornar pessoas de diferentes tamanhos aleijados funcionais.

Na figura, porém, é Teseu quem aplica a Procusto o seu próprio castigo.

Existe um perigo intrínseco em qualquer ensinamento, seja ele "religioso", "espiritual", "moral", "ético", que envolva uma única medida - um "peso ouro" - para tudo e todos. Quando as palavras começam a falhar ou a não dar conta suficiente, o perigo aumenta em galopes estratosféricos; falamos de unidade e dualidade, falamos do inefável e do sublime, falamos do pensar e do não-pensar - e ramos de espinheiras-bravas florescem da nossa boca em todas as direções. A não-dualidade é desculpa para a "unidade" monolítica, o inefável torna-se sinônimo de estupidez, o sublime revela-se como um túmulo seco, caiado de cal.

Eis a minha rixa com os ideais, que tanto amargam a minha boca - embora eu mesmo seja uma pessoa deveras idealista. O século XX mostrou, mais do que nunca, que o homem é capaz de praticamente tudo - inclusive materializar a pior concepção de inferno possível - por causa de ideais mortíferos. Totalitarismo é uma das palavras chave.

E, se a prática "espiritual" é uma busca homóloga de um ideal, estou fora.

Se excluir,
cortar,
matar,
deixar de lado,
ignorar,
ter preconceitos
é a única forma de trazer à harmonia aquilo que é (ou parece ser) incompatível, algo está profundamente errado.

Aliás, o próprio sentimento de incompatibilidade pode, muitas vezes, ser mais característico de que algo realmente está "errado" - com quem o sente, e não onde é visto.

Eis porque, muitas vezes, olho com muito mais empatia e simpatia os simples filósofos, escritores, artistas, e afins: por mais que muitos corressem atrás de um ideal e acreditassem neles, nada é final e para sempre, talhado em rocha. Há sempre espaço para voltar atrás, reformular, refazer, esquecer, perdoar. Esta é a nossa vida.

E, se há algo que é talhado em rocha, veremos.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Doença Zen

Passando um tempo em São Paulo, vê-se de perto - mais fortemente do que em uma cidade como Florianópolis - que a vida cotidiana nada tem de utópica ou ideal - no sentido de ser baseada em um ideal.
E que isto, talvez, não seja grande problema.
Problema - mesmo pequeno - é aquele que acomete todos aqueles que começam a praticar alguma coisa que carrega, em seu discurso, uma certa dose de idealismo: as pessoas começam a acreditar muito nele. Acreditar em um ideal não é, em si mesmo, grande mal, e todos sabemos o quanto perder um ideal - um direcionamento, uma expectativa em relação ao futuro - pode abalar as pessoas. Então é melhor que fiquem, os ideais e expectativas. Temperados com um pouco de realismo, esperamos.
Na prática do zen este problema pode ter um nomezinho específico: a doença do zen. Terrível, terrível, e o mais terrível dela é que, como toda boa doença que se preze, o diagnóstico só pode ser feito de fora: o tal indivíduo não percebe. Praticar zen e zazen não é garantia que alguém não vá ser preconceituoso ou raivoso; não é garantia de saber mais que os outros; não é garantia de sabedoria. Infelizmente, não dispomos desta garantia.
Quem é acometido pela doença do zen passa a acreditar demasiado nas palavras do zen e do budismo, e a sutilmente fazer distinções no mundo. Desde os casos mais patentes em que alguém acha que está fazendo a melhor coisa do mundo praticando o zen, e que consequentemente será uma das melhores pessoas - talvez elevada do lodo, digamos - até os mais simples, em que os ideais do budismo passam a regular o que é "bom" ou não, a doença do zen tem um parentesco muito grande com outras doenças similares.
E, paradoxalmente, um dos melhores remédios é mais prática do zen. Eis até onde minha experiência pode roçar.

sábado, 17 de janeiro de 2009

A metáfora da flor de lótus


Eu pessoalmente sempre achei a metáfora da flor de lótus (ou do "lôto", como era dito) deselegante.

Em que sentido, deselegante? Como todos sabemos, o lótus, ou melhor dizendo, a flor do lótus, tem suas raízes no chão lodoso de lugares com água parada. A flor sobe e desabrocha acima da superfície da água, e por causa de propriedades de textura e superfície das suas pétalas e folhas a água - e consequentemente o lodo - não "gruda" na flor, nas suas pétalas.

(Tal propriedade das folhas do lótus tem sido estudada há muito tempo e provavelmente proporcionará, em breve, tecidos realmente impermeáveis.)

Ora, é uma metáfora para uma ascenção, uma purificação espiritual. Para algo que vai das profundezas inferiores - do lodo - e se "eleva" às alturas superiores, limpo e puro de toda "impureza".

Soa, evidentemente, muito platônico.

É bonita, a metáfora, de um ponto de vista relativo. Se se deseja purificação, elevação, ela tem a sua força. Mas e o lodo, então, é somente isto? Impuro, sujo, fétido, cheio de insetos e larvas, para quem é um lar maravilhoso?

Ora, a flor de lótus é uma forma de lodo que subiu aos céus e está sentada à direita do sol todo poderoso. Nada mais do que isto.

Vamos brincar um pouco com as metáforas, então? Diz-se que um "monge" zen, um estudante do zen, é como as nuvens e a água; segue a natureza da água, não se gruda em nada, flui na medida do vento e das montanhas. Ele é a água que pode parar em um baixio e formar lodo, pelo qual o lótus passa incólume e seco. E lá vai subindo o lótus, rumo à iluminação!

Do sol, é claro.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sobre não-eu/anatta


Vou começar a me aventurar um pouco, falando sobre a questão do não-eu, ou não-self.

Por que "me aventurar"? Estou, pois, me aventurando: embora não-eu seja um dos três selos da existência condicionada, segundo o buddhismo, o Buddha não falou - e não não-falou - que o eu/self não "existe".

Aliás, este é um ponto que deveria ficar ainda mais claro, quando começamos a falar de buddhismo.

Diz-se, de maneira geral, que o Buddha respondia a perguntas de quatro maneiras diferentes: com uma afirmação ou uma negação; com uma explicação; com uma clarificação dos conceitos usados na pergunta; com um silêncio.

No único momento em que alguém pergunta, diretamente, para o Buddha - no cânon pali - se o eu (self) existe, Buddha silencia. Então Vacchagotta pergunta se ele não existe; outro silêncio. (Me admira que ele não tenha continuado o tetralema, como era de hábito. É tão divertido.) Na resposta para Ananda, que, como sempre, questiona o porquê dela, Buddha diz que se respondesse que sim, iria pro lado dos eternalistas, negando então o "conhecimento" de que todos os fenômenos são não-eu. Se respondesse que não, iria para o lado dos niilistas, e o "confuso" Vacchagotta ficaria ainda mais confuso: "quer dizer que o eu que eu tinha antes não existe mais agora?"

Quer dizer, mais um exemplo de upaya, meios hábeis, do que uma resposta filosófica.

O ponto a ficar claro é que explicitamente o Buddha dizia que o Tathagata estava além de conceitos e idéias, e que a "verdade" que ele proclamava era a da liberação do sofrimento/insatisfatoriedade - nibbana/nirvana. As maneiras de responder as perguntas estão relacionadas diretamente com este ponto: são úteis ou hábeis para "remover" as raízes da ignorância, do apego e da aversão. O símile da flecha coloca isto de maneira bem clara.

Ou seja, a "verdade" proclamada pelo Buddha não era uma verdade "positiva", como poderíamos dizer, ou uma verdade que dissesse "isto é, isto não é" - no sentido metafísico.

Percebemos, contudo, que não-self - anatta/anatman - é um tema recorrente, não somente nos sutras buddhistas, mas também na prática nossa de cada dia. É a linha de corte mais estrita que separa o Buddha de todos os seus contemporâneos, é um ponto para o qual a prática se orienta, e é um ensinamento fundamental do Buddhismo.

Os cinco agregados - corpo e mente - são condicionados e impermanentes, e toda vez que nos referimos a um eu estamos nos referindo, em verdade, aos agregados. A ignorância básica é de propor um eu estável e permanente em algo que não o é. Portanto, o que vemos como nós mesmos está mais para o lado de um mal-ver ou não-ver (avijjā/avidyā, ignorância) do que a percepção de algo que "realmente é".

Esta questão do não-eu é para onde eu gostaria de voltar mais vezes; ela é premente, presente, e por este motivo pode ser enganadora e não tão útil assim - para não dizer prejudicial.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Prática com o corpo

hábitoEmbora todos nós nos impressionemos com feitos de resistência física, tais não deveriam ser um objeto privilegiado da prática da meditação.

Siddhis, como eram - e são - conhecidos na Índia os "poderes especiais" possíveis em yogis e afins, são, de certa forma, uma realidade comprovada. Não estou falando de levitação e coisas mais elaboradas, que talvez existam, como posso saber eu? Falo de feitos "físicos": alterações impressionantes do metabolismo. Gente que aumenta a temperatura corporal, gente que aguenta extremos de temperatura e pressão, gente que enfim. Práticas como o tummo, entre outras diversas práticas, inclusive as práticas ascéticas que foram companheiras de Sidarta durante seis anos - tapas e afins.

Voltando, porém, para o nosso reino, o reino das pessoas comuns, sentar-se em zazen envolve um aprendizado sobre o corpo. Todos temos nossas dissimetrias, nossos limites, nossos costumes, e a postura do zazen desenvolve, com o tempo, uma mudança no corpo e seus hábitos. Pequena, grande, não importa.

Pequenos passos acompanham esta prática. Uma das coisas mais interessantes que eu aprendi - ou melhor, da qual fui convencido pelo corpo - é a de ir até os limites do meu próprio corpo.

Acabo de voltar de uma corrida. É, voltei a correr. Depois de meses sem atividade física - além das caminhadas obrigatórias do dia-a-dia - volto a correr, que é de graça e faz bem. Suar é bom. Dizem que banho frio de manhã cedo também. E eu fui uma espécie de tri-atleta uma época, quando eu tinha uns 17 anos. Corria, nadava e bicicletava. E me sentia bem. Durante um episódio de depressão "clínica", uma das coisas com que eu mais me preocupava era em fazer exercício. Não é interessante? Se eu ficava sem, eu me sentia ainda pior.

Existe, grosso modo, dois tipo de correr: o correr pelo correr e o correr para chegar - em algum lugar. Real ou imaginário. Correr para fazer tantos metros por hora, correr para desenvolver o ritmo respiratório, ou correr para fugir de um boi brabo (isto ainda acontece em Floripa). Os dois correres são, na verdade, uma mesma coisa, mas o que difere um correr de outro? É comum que quem quer começar correndo como um profissional desista no meio do caminho, de vergonha ou de exaustão.

É preciso respeitar o ritmo do seu corpo. Ou, melhor colocando, é estupidez tentar levar corpo - e mente - além do ponto, somente para conseguir algo. Se a prática é vista como uma espécie de exercício, ela vira algo especial, algo fora da vida cotidiana. A vida cotidiana é: correr é bom para mente e corpo, e começa-se dando passos pequenos, num ritmo devagar, para aumentar - se for o caso - aos poucos. Correr rápido pode ser um "objetivo" - bem alcançável, por sinal, dadas as condições - mas correr é a prática. O mesmo vale para lavar pratos e varrer o chão. Se bem que não gosto de secar a louça.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sobre "eu"

Esquema desenhado por Freud, mostrando a disposição das instâncias no aparelho psíquico

Longa postagem, escrita a um terceiro, sobre a noção de "eu". O trecho de Bettelheim vale a pena.

[....] seguindo a nossa conversa sobre o "eu" na psicologia, aqui vai um trecho do livro do Bruno Bettelheim, Freud e a alma humana, em que ele critica extensivamente a tradução americana dos escritos de Freud, como apropriação da psicanálise pelos médicos. Os colchetes são meus.

Somente o desejo de perceber a psicanálise como especialidade médica pode explicar por que três dos novos conceitos teóricos mais importantes de Freud foram traduzidos não para o inglês, mas para uma linguagem cujo uso mais corrente, hoje, talvez seja a de redigir receitas médicas. Freud conceituou a organização da psique [algumas páginas antes B. discutia a tradução de seele e seelisch - alma e "anímico", termos que Freud usa (como seelisch apparat, aparato psíquico) - como mental ou psíquico] dividindo o seu funcionamento nas áreas do consciente, do pré-consciente e do inconsciente. Os processos psicológicos que ele examina são pessoais e internos [psicanálise como "introspecção"]. Ao denominar dois dos conceitos, Freud escolheu palavras que estão entre as primeiras usadas por toda criança alemã. Para referir-se ao conteúdo desconhecido, inconsciente, da mente, escolheu o pronome pessoal es (em inglês it, pronome pessoal neutro na 3 pessoa do singular) e usou-o como substantivo (das Es). Mas o significado do termo the it só adquiriu seu total impacto depois que Freud o usou em conjunto com o pronome ich (em inglês I), usando-o também como substantivo (das Ich). Seus significados intencionais encontraram expressão clara no título do livro - Das Ich und das Es - no qual definiu esses dois conceitos, pela primeira vez, como contrapartes recíprocas. A tradução desses pronomes pessoais para seus equivalentes latinos - o "ego" e o "id" - em vez dos ingleses I e It converteu-os em frios termos técnicos que não suscitam qualquer associação pessoal. Em alemão, é claro, os pronomes estão dotados de profunda significação emocional, pois os leitores usam-nos durante a vida toda; a escolha cuidadosa e original de palavras por Freud facilitou a compreensão intuitiva do seu significado.

Nenhuma palavra possui conotações maiores e mais íntimas do que o pronome "Eu". É um dos vocábulos mais frequentemente usados em qualquer língua falada - e, mais importante ainda, é a mais pessoal das palavras. Traduzir Ich como "ego" é transformá-la em jargão que deixa de transmitir o envolvimento pessoal que há quando dizemos "eu" ou "meu" - para não mencionar nossas lembranças subconscientes da profunda experiência emocional que tivemos quando, na infância, nos descobrimos a nós próprios ao aprender a dizer "eu" [Lacan que o diga, com o "estádio do espelho como formador da função do eu"]. Ignoro se Freud conheceria a afirmação de Ortega y Gasset de que criar um conceito é deixar a realidade para trás; mas ele tinha certamente consciência dessa verdade e tentou evitar este perigo até onde lhe foi possível. Ao criar o conceito de Ich, vinculou-o à realidade usando um termo que tornava praticamente impossível marginalizá-la. Ler ou falar sobre o Eu obriga uma pessoa a olhar-se introspectivamente. Em contraste, um "ego" que usa mecanismos nitidamente definidos, como o deslocamento e a projeção, para atingir seus fins na luta contra o "id", é algo que pode ser estudado de fora, observando-se outros. Com esta tradução imprópria e - no que tange à nossa reação emocional a ela - francamente enganadora, uma psicologia introspectiva converte-se numa psicologia behaviorista, que se dedica à observação a partir do exterior. E é exatamente assim que a maioria dos americanos vê e usa a psicanálise. [rixa da psicanálise européia contra a americana; Lacan critica o uso adaptativo - fortalecedor do "eu" - das escolas recentes de psicanálise americana]

A palavra "ego" era usada na língua inglesa de múltiplas maneiras, muito antes de os tradutores de Freud apresentarem-na como conceito psicanalítico. Esses usos, que ainda são parte da língua viva, são todos pejorativos, como "egoísmo", "egoísta" e "egotismo". (Uma expressão de gíria de origem mais recente - "ego trip" - também é pejorativa.) Isso é igualmente verdadeiro de seus cognatos alemães - o substantivo Egoist e o adjetivo egoistisch. Freud, como todas as pessoas de fala alemã, estava familiarizado, evidentemente, com a conotação depreciativa de conduta interesseira que a raiz "ego" suscita.

Eu acho que a psicanálise oferece uma das mais vívidas discussões sobre a questão do eu - sua gênese e suas vicissitudes. A razão é, de certa forma, simples. A história da psicologia científica, desde o seu começo no final do século XIX até hoje, segue um padrão simples: introspecção versus observação, herança da dicotomia filosófica em voga no começo da psicologia como ciência. O objeto de estudo da psicologia, como te disse em uma mensagem muito tempo atrás, nunca foi realmente "delimitado": cada escola tem o seu, de preferência excluindo o da escola "oposta". Não dá para dizer, portanto, que a psicologia estuda a alma ou a mente humana, como o nome poderia sugerir, a não ser que possamos definir "psique" de uma forma que abranja psicanalismo, behaviorismo, humanismo - as três "ondas" principais que varreram a psicologia - e os diversos outros.

Mas há coisas interessantes. O comportamentalismo atual pensa a "consciência" como comportamento operante "internalizado" - um comportamento operante que reflete e atua sobre comportamento operante. O senso de "eu" seria uma forma de comportamento verbal "internalizado". O comportamentalismo assume o pressuposto corajoso de excluir qualquer "interioridade" do seu discurso - o que vale é o que pode ser observado.

As diversas escolas de psicoterapia foram, de certa forma, uma resposta à psicanálise. Aliás, a psicanálise mudou o quadro da psicologia como um todo, este Freud safado. Os primórdios da psicologia científica - cientifica é importante aqui, houve muita "psicologia filosófica" durante séculos - começaram com uma busca das leis do psiquismo. A psicofísica de Fechner e o laboratório de psicologia experimental de Wundt foram o estopim para o começo da psicient. As psicoterapias, contudo, tiveram todas elas um parentesco - mesmo que renegado ou dissimulado - com a psicanálise. Mesmo que tenham nascido da crítica da psicanálise, elas reformulam conceitos e protocolos psicanalíticos. É uma situação deveras esquisita, pois a psicanálise nasce do campo da medicina e da filosofia, com o toque de gênio do Freud, e as psicoterapias se apóiam na psicologia. De certo modo, qualquer escola psicológica pode gerar uma forma de psicoterapia - e consequentemente uma visão de homem. [Ou vice-versa, não é?] Assim, as maiores discussões sobre "personalidade" surgem das escolas psicoterápicas - talvez porque sejam elas as que lidam com as pessoas em maior escala, e não com fenômenos psicológicos como atenção, atitude ou memória.

Tomando o exemplo da gestalt-terapia, que define o "ego como fronteira de contato entre o organismo e o meio", e as neuroses como "deformações ou cristalizações" nesta fronteira de contato. De certo modo, é uma diferenciação pequena do conceito freudiano de eu como uma especialização do isso em contato com a "realidade", com um ponto de vista filosófico mais atual, com o surgimento da cibernética e da fenomenologia.

O trecho acima, do Bruno, é importante neste sentido, de tornar o conceito freudiano mais naïve, mais inocente, menos especializado. O eu da psicanálise é o eu que diz eu, tomado na teoria como uma "instância" do "psiquismo", mas todos sabemos do que se trata. Este é um traço que admiro nos grandes filósofos: quando se conceitua sobre impressões, idéias, afetos, todos sabemos do que se trata. O que eles farão e dirão sobre isto é o que é muitas vezes impensado.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Mente cotidiana

Desci para pagar contas no banco, espera de 30 minutos ideal para um zazen. No mercadinho, onde compro uns legumes, uma manchete de assassinato no jornal chama a minha atenção. Um crime passional praticado por duas adolescentes, mulheres. Horrorizo-me um pouco, preocupo-me outro tanto, reflito sobre os ciúmes amorosos e penso em uma protopromessa de não me envolver em paixões, para evitar este tipo de coisa. Quem dera.

Em casa, estou satisfeito lendo algo que me apraz quando vejo mais notícias sobre a faixa de Gaza. Penso em como é vergonhoso estar feliz e satisfeito quando as pessoas estão nesta situação, temo um pouco pela minha segurança, reflito sobre como seria se eu morasse na faixa de Gaza, imagino o porquê das pessoas não quererem sair daquele território, e fico remoendo o ódio e agressividade humanos, sentindo um medo tênue, vontade de proteger-se contra o mundo.

Logo depois estou de volta lendo algo agradável sobre uma escavação arqueológica pelos traços históricos de Sidarta Gautama...

Você quer escapar das suas tristezas e sofrimentos? O mundo oferece uma multidão de soluções - temporárias, claro, como tudo. Só o apanhado acima, de poucos minutos de um dos meus dias, é um belo exemplo. Para curar tristezas, basta dar um tempo, que logo logo aparece outra coisa.

Agora, se é exatamente isto que te incomoda, a coisa complica.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Pequeníssima nota sobre Hakuin

O que é mais engraçado é que uma das historietas mais famosas de Hakuin é aquela com o samurai.

Não é irônico que a pergunta feita se trata da existência de um céu e um inferno? Eu, se fosse Hakuin, urraria como um urso.

Mas eu faria isso só pra me divertir; nada de especial.