quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Segundo

É chato perceber, mas sempre estamos procurando por emoções fortes.

Ou, melhor dizendo, gostamos de "fortificar" nossas emoções. As emoções, em si, são sempre fortes em sua presença nua, em sua potência. Descobrimos isto com um tempo de prática do zazen: as pequenas emoções flutuantes e sempre presentes, pequenas não em tamanho, mas em "importância" que decidimos dar a elas. Pequenas contra a luz do bando de sonhos em que estemos enredados o tempo todo.

Vista de certo modo, qualquer emoção cotidiana pode ser angustiante, ou extasiante. Lembro-me das frases de... seria Hakuin? Não lembro. Mestre zen que relata que, quando criança, ao ser lavado pela mãe, pergunta a ela se ela não sente a angústia deste ato, de ser lavado, tomar banho.

Quer coisa mais "forte" que a dor cotidiana, a dor do estar vivo? Muitas vezes deixamos de vê-la, ocupados que estamos em pressagiar a próxima emoção que desejamos. Mas ela é constante, e forte pela sua constância - nas costas, nos dentes, na cabeça, nas vísceras. Faz parte.

De um ponto de vista, a vida cotidiana é extremamente insatisfatória. Não é de surpreender que durante o zazen o que mais queiramos - por menos que queiramos - é terminar o zazen. Então "sonhamos" que estamos fazendo zazen, que temos insights profundos, até sonhamos que descobrimos o ponto fundamental do zazen e que talvez atingiremos algo, e que depois deste algo não precisaremos mais sentar em zazen e estaremos livres deste zunzum extremamente insatisfatório que é o zazen.

Tão insatisfatório que qualquer coisa seria melhor. Gostamos de fortificar nossas emoções, de fazê-las mais do que "são" - é difícil dizer como uma emoção "é de verdade". Aguentamos bastante coisa, até, aguentamos dores extremas - contanto que sejam por alguma coisa, por alguma "causa", que levem a algum lugar. O martírio é aguentável porque dura pouco; a agonia mais extrema pode ser vista como um momento privilegiado - contanto que seja único. E ainda pode garantir uma outra coisa - uma vida eterna em um paraíso. Que são 80 anos neste vale de lágrimas comparados com uma eternidade no paraíso? Daí sim pode valer a pena "tudo suportar".

O desfalecimento do orgasmo, do amor, como último, único e derradeiro... por ora. Parece ser uma boa metáfora para aquilo que tanto procuramos: um derradeiro orgasmo cósmico. Eis a pulsão de morte freudiana. Mas... tudo o que vemos é o beco. Estamos de volta depois do orgasmo e da agonia, e o pior é que eles se repetem em uma escala milimétrica todos os dias, se sentarmos e prestarmos atenção! Ah, que porre de vidinha. E 80 anos assim talvez para nada?

Tudo bem, pode-se aguentar 80 anos, ou menos, e quem sabe tudo acaba. Mas, será que acaba? Se há vida depois da morte? Certamente, dado que a houve antes do nascimento - não minha, não sua, mas de "alguém". Talvez acabe para mim, mas virão outros depois, com sua vida de talvez 80 anos. E, se não houverem, haverão ainda pedras sendo lambidas pelo mar durante muito, muito tempo. Será que as pedras anseiam pela onda derradeira, a onda final que virá de uma vez por todas?

Tédio e satisfação sucedem um ao outro em uma escala descomunal.

Daí talvez começamos a pensar que talvez esta ânsia pelo "derradeiro" seja um tanto quanto equivocada. Que esta emoção fortificada que postergamos e colocamos em um porvir é isto, uma criação das nossas cabeças. E então ficamos ainda mais decepcionados. A vida parece se repetir sem se gastar. Nada de ponto final, a não ser um escurecimento, talvez, em um momento que é irmão de todos os outros. Nenhuma diferença ontológica, talvez nenhuma iluminação metafísica ou mística: poderemos morrer dormindo, em pé, engasgados, ou depois de uma agonia "sem sentido". E agora?

Eis o zazen. Ele nunca se curvará perante as suas vontades de satisfação, por mais virtuoso que você ou elas sejam. Jamais. Ele nunca fortificará alguma emoção, e jamais trará algo de derradeiro, por mais que você se esforce. O que permanece... o que permanece? Eu ia afirmar, mas agora pergunto, ao invés disso. O que permanece?

Eu respondo: esta vida insatisfatória, um tanto desesperadora. É isso que tenho a dizer pelo momento. Eu não tenho dúvida de que estou equivocado; portanto, não acreditem no que digo, não se fiem no que falo.

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