sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Verso da madeira

Resultado de imagem para moppan zen
Uma tradução minha para (uma das versões d)o verso da madeira (han/moppan), batida ao final do último período de zazen do dia:

生死事大
無常迅速
各宜醒覺
愼勿放逸

Nascer e morrer, grandes questões;
Nossa vida passa rápido, e se esvai.
Cuidado: o tempo não te espera.
Não perca o momento - desperta!

É dito que, quando o buraco na madeira fica tão fundo e não tem mais onde bater, o pessoal ganha um dia de folga.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mar de ar


Não nos damos conta, mas vivemos em um mar de ar. Vi as árvores encalpeladas, dobrando-se ao jorro abundante de grosso vento, como algas a dançar na escuridão submarina, e percebi. Este ar úmido que penetra nos nossos pulmões, mas intimamente do que qualquer pessoa jamais penetrará, flui como a água fértil nas guelras de um ser marinho. Nossos pássaros são peixes. Há mais peixes no mar do que pássaros na terra? É mais fácil voar na água do que nadar no ar? Nós, nós somos os camarõezinhos se arrastando no fundo pedregoso. Um amigo complementa: "com muita merda na cabeça".

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quatro votos do bodhisattva

眾生無邊誓願度
煩惱無盡誓願斷
法門無量誓願學
佛道無上誓願成

Seres sem limites prometo levar à outra margem;
aflições intermináveis prometo extinguir;
portais-do-dharma, imensuráveis, prometo estudar;
o Caminho do Buddha, inigualável, prometo realizar.

Notinhas
度 - "levar à outra margem", da margem do samsara para a margem do nirvana. Traduz-se também como paramita.
煩惱 - muitos significados. Ver aqui (inglês, login guest, sem senha).
學 - "estudar" envolve algo além do sentido acadêmico; trata-se de aprender e apreender, com corpo e mente, assim como aprendemos a andar.
法門 - termo clássico usado para os vários ensinamentos buddhistas.

Uma tradução livre dos "quatro votos". Atentem que todos os votos são "paradoxais" em sua formulação: como é possível extinguir o que nunca termina? Aqui, eles são como Aquiles e a tartaruga: uma corrida ao limite, nunca alcançado. Isto é desanimador para você? Mas porque seria? Se você, ao nascer, pensasse antecipadamente na quantidade de ar-dentro-ar-fora que tem de fazer (aprox. 250 milhões em 80 anos), não ficaria um tanto desgastado e desesperado?Mas nós não ficamos: inspiramos e expiramos a todo momento, sem pensar a respeito. Ficamos desgastados e desesperados com outras expectativas. Quando o ar nos falta, porém, onde elas estão?

Os quatro votos são assim: uma promessa e uma aposta, aposta de que mesmo que seja impossível e infinito, eu vou até o fim. Mesmo que não tenha potinho de ouro atrás do arco-íris, mesmo que não sejamos recompensados pela nossa virtude. Um bodhisattva desce aos "infernos" para "ajudar" os seres, mas esta descida não deve ser vista como um ponto a mais no currículo bodhisátvico. "O que isto me trará de bom?" é a pergunta que automaticamente invalida o bodhisattva, onde quer que ele esteja.

É esta mesma mente que vê o zazen como um meio e o Despertar como um fim, e que se irrita ou não compreende os quatro votos. Os dois, zazen e Despertar, estão muito entrelaçados, evidente; resta, porém, uma pergunta na multidão: depois do Despertar, então, não é necessário mais zazen (já que conseguimos o que queríamos)? A resposta não pode partir de mim, ela parte de Dogen: a prática é infindável, a (com)provação sempre se aprofunda mais e mais. Isto te deixa tonto?

Verso do moppan


生死事大
無常迅速
光陰可惜
時不待人

Vida e morte são grandes questões;
tudo passa rápido.
Gastar dias e noites é uma lástima;
o tempo não espera por ninguém.

Esta é uma tradução livre do verso recitado no toque do moppan, a plaquinha de madeira da foto, encontrada em um centro de prática zen. O verso é recitado no final do dia, ao término do último período de zazen. No começo tal admoestação para "não gastar a vida" me irritava: viver a vida não é joga-la fora. Do que essa gente tinha medo ou pressa? Agora, no entanto, ouço apenas uma voz firme, porém carinhosa, que me diz "a hora é agora".

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A função de um centro zen


Devo ser a vigésima sétima pessoa que posta este texto, nas últimas semanas. No problemo; o texto é bom e a autora é fabulosa. Só não é mais fabulosa, pois não a conheci pessoalmente, uma pena. Charlotte, esta é uma parte da minha homenagem a você.

A Função de um Centro Zen
de uma palestra de Joko Beck

Hoje eu quero falar sobre a função de um Centro Zen. De uma maneira geral, podemos dizer que é para apoiar a prática; e é claro que é verdade. Mas temos um monte de ilusões sobre Centros Zen como também temos sobre os professores. E uma coisa que tendemos a pensar é que um Centro Zen deveria ser um lugar muito agradável para mim – em outras palavras, deve ser não-ameaçador (risos). Eu acho que um bom centro deve ser bastante ameaçador às vezes! Não é função de um centro cuidar do seu conforto ou da sua vida social. Com isso não quero dizer que não devemos ter eventos sociais – eu acho que são ótimos – mas não são a principal função de um centro. A função de um Centro Zen não é prover as pessoas uma vida social. Não têm necessariamente o papel de fazê-las sentirem-se bem, e não é para fazê-las sentirem-se especiais.

Essencialmente, um centro é uma ferramenta poderosa para ajudar-nos a despertar. Como uma sangha praticando em um centro, precisamos, sim, apoiar uns aos outros, mas a natureza desse apoio pode não ser exatamente o tipo de apoio que é frequentemente visto num escritório. Você sabe, o namorado de uma moça a deixa – “ô, coitadinha! Sabe, quando o MEU namorado me deixou …. ” (Risos) e lá vamos nós! Há uma atitude de “somos todos vítimas juntos nessa” que NÃO é apoio. Quanto mais praticamos, bem, tanto menos aquele tipo de apoio falso é o que se encontra num centro bom.

Deve ser um lugar, então, que nos dá apoio, sim, mas que também nos desafia, e nesse sentido somos todos professores uns dos outros. Alguns dos ensinamentos mais poderoso em um Centro Zen nada tem a ver com o professor, às vezes o ensino vem de uma outra pessoa, vindo diretamente da experiência dessa pessoa. Para ser honesta, estar ciente do que a prática real é, e compartilhá-la com os outros – é isso que torna um centro um tipo de lugar diferente para se estar.

Infelizmente, Centros Zen tendem a ser um pouco ego-perpetuantes: nós queremos que eles sejam maiores, melhores, mais importantes que o centro do outro cara, com certeza! Há correntes de ego muito sutis que podem circular em um Centro Zen, como em qualquer outra organização se não tivermos um cuidado especial.

E algumas reflexões sobre a sangha: um ponto é crucial – quanto mais tempo as pessoas vêm praticando, menos importante deve ser o papel externo delas. E por isso eu não quero que as pessoas que vêm praticado por muito tempo presumam que elas sempre serão monitores – às vezes, sim, claro, mas quanto mais alto o aluno, mais eu quero que a sua influência seja sentida através da sua prática, e através de sua vontade de não parecer importante; e de deixar os alunos mais novos começarem a assumir algumas das posições externamente visíveis.

A marca de alunos seniores é estarem trabalhando quando ninguém sabe que eles estão lá. Eu vejo pessoas trabalhando no escritório do Centro em horários estranhos, às vezes eu estou voltando das compras e eles estão trabalhando duro. Isso é um sinal de prática madura, fazer o que deve ser feito mantendo a nossa própria importância fora disso.

Pessoalmente, eu estou tentando ir por esse caminho, minimizando a enorme importância dada ao papel do professor. E eu quero que isso se aplique a todos os alunos mais velhos. Então, se você sente que não está tendo a oportunidade de fazer o que você costuma fazer, ÓTIMO! Então você tem algo muito bom com o que praticar.

Outra marca de um bom Centro Zen é que ele nos sacode como um todo; as coisas não acontecem da maneira como gostaríamos, de acordo com as nossa fantasias. Assim, em nossa chateação, acabamos retornando à base da prática – que é, tanto quanto eu posso colocar em palavras, assumir mais e mais a posição de um observador em nossas vidas.

Com isso quero dizer que tudo em nossa vida vai continuar a ocorrer – os problemas, as dificuldades emocionais, os dias agradáveis, os altos e baixos, que são aquilo em que consiste a vida humana -, mas é a capacidade de não ser pego – de apreciar o que está acontecendo quando se é “bom”, de ter tranqüilidade quando se é “ruim” e de observar tudo isso, que é um trabalho contínuo.

A marca do amadurecimento da prática é simplesmente a capacidade, mais e mais e mais, de perceber o que está acontecendo e não ser fisgado por ele. Fácil falar, mas provavelmente 15 a 20 anos de prática rígorosa serão necessários antes que nós sejamos dessa forma uma boa parte do tempo.

E isso não é o estágio final. Quando não há nenhum objeto, nenhuma pessoa, nenhum evento, nenhuma coisa no mundo que me fisga, no qual eu esteja preso – quando não há nenhum objeto e nenhum self observando -, então há uma virada para o quê, para dar-lhe um nome, seria o estado iluminado.

Nunca conheci ninguém que eu senti que havia alcançado isto, mas algumas pessoas têm se saído bem e, se você tiver a sorte de encontrar uma pessoa assim, você sentirá a diferença que há em alguém que não é fisgado pela vida (necessitado, desejando ardentemente algo ou alguém, insistindo que a vida seja de uma certa maneira) – você perceberá que tal pessoa está em paz e livre.

Estas são as pessoas que são uma influência curativa e benéfica sobre toda a vida que está perto deles. Eles não precisam fazer nada – a cura vem da maneira como eles são. Essa transformação é o que queremos da nossa prática.Temos muita sorte de ter essa oportunidade nesta vida. Vamos aproveitá-la e fazer o nosso melhor.

- tradução: Monja Isshin e Muriel Paraboni

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Fé e crença

A distinção entre fé e crença aponta para o fato de que uma religião historicamente dada e institucionalmente formulada sempre se refere a uma convicção responsavelmente assumida e vivida. Caso contrário, religião e fé tornam-se mero costume exterior ou dever imposto. Somente em experiências conquistadas pela crença se pode confirmar a fé. Por sua vez, a crença pessoal também se refere sempre a uma fé formulada, porque, caso contrário, ela não teria um lugar histórico e social; sem uma linguagem comum ela não poderia ser comunicada e não poderia confirmar-se numa vida comunitária.


Hans Zirker, filósofo e teólogo alemão

Creio que a maior analogia para se pensar esta questão de fé x crença é a linguagem. Caso você não tenha percebido antes, esta linguagem que você crê ser tão sua - afinal, é você quem a usa o tempo todo - foi transmitida e "ensinada" pelos seus pais, parentes, professores. No início, ela não tinha nada de sua. Isto, porém, não é impedimento para ela; não é por causa disto que a maldizemos e dizemos que ela é ruim por que "ela nos foi dada de forma não crítica", como uma crença. No começo, ela funciona como a crença. Cremos na linguagem de forma mágica, nos primeiros anos de vida. É preciso tempo e vida, porém, para que façamos da linguagem uma casa nossa; para que a tornemos nossa, a utilizemos da forma que nos aprouver.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Tênue Transmissão

Texto publicado no Todatsu Shinbun 5

Imagine a seguinte chamada de um jornaleco sensacionalista: “Lavador de arroz analfabeto recebe Transmissão; funcionários e monges furiosos com comportamento do abade”. Em poucas palavras, treze séculos atrás esta foi a história de Dàjiàn Huìnéng (Daikan Enō), o sexto ancestral do chan (zen) na China. Sua conclusão – incluso o belo poemeto-réplica de Enō - deixo como tarefa de casa. Adianto apenas que, para fugir dos monges enfurecidos, ele escondeu-se na casa de um caçador durantes uns bons anos, depois de ter recebido, no meio da noite densa, o manto e a tigela do velho abade, Daman Hongren (Daiman Kōnin), juntamente com um conselho: "Desde tempos antigos a transmissão do dharma é tênue como um barbante frouxo. Vá embora, rápido."

Enō viveu perto dos 80 anos, aprendeu a ler e a escrever e tornou-se um poeta e calígrafo renomadíssimo, além de um mestre zen prolífico. Algumas de suas obras sobrevivem quase intactas até os dias de hoje, e ele próprio é relembrado por nós, mesmo que brevemente, na nossa recitação das dezenas e dezenas de nomes da “Linhagem”. Sua história, com um gostinho de conto de fadas misturado com piada, é somente uma dentre várias: histórias que misturam angústia com despertar, sofrimentos e grandes alegrias, histórias de pessoas muito próximas de nós mesmos.

Tomemos Ānanda, por exemplo: o belíssimo, astuto e erudito Ānanda, o acompanhante, primo, amigo e “secretário” do Tathāgata. Acompanhando o Buddha por duas décadas como uma sombra, quem seria mais privilegiado do que ele, quem teria mais chances e oportunidades para a prática, esta prática onde amigos são tão importantes? Mesmo assim, o Tathagatha morre e Ānanda desespera-se: ele ainda não tornara-se um arhat. “Se nem um Desperto me serve de algo, devo ser um caso perdido”, imagino Ānanda ruminando, num choro agridoce a morte do amigo. Não é difícil sentir Ānanda vivo, aqui do nosso lado.

Ou então também há, como de praxe, histórias de grandes apostas; riscos desmedidos para ir atrás de algo. Numa época em que uma travessia marítima não era um cruzeiro turístico, Bodhidharma e o jovem Dōgen cruzaram mares, tanto para buscar quanto para levar o “verdadeiro dharma”. Admiramo-nos de sua coragem, ao mesmo tempo em que nos esquecemos que esta tenacidade, esta firme resolução de atravessar montanhas e mares, não é tão nossa desconhecida.

Seguem as histórias, seguem os exemplos, segue a familiaridade. Aprendemos a apreciar os “grandes feitos” dos outros a partir da nossa própria experiência. Para quem nunca pensou em sentar em zazen, as decisões e dramas de Dōgen, Bodhidharma, Ānanda e Enō podem parecer uma grande bobagem, uma grande “perda de tempo”. Se, porém, ao escutarmos uma história desta, sentimos um leve calorzinho de reconhecimento, sabemos de quem estamos falando: não estamos falando de pessoas que viveram e morreram séculos atrás, estamos falando sobre nós mesmos – como se o sangue de buddhas e ancestrais estivessem correndo nas nossas veias, esquentando os nossos pés e mãos.

Quanto mais praticamos, mais vemos a nossa fragilidade, a facilidade com que hesitamos e recuamos, os nossos pequenos passinhos de bebê. Mais apreciamos a força de vontade de algumas pessoas que fizeram grandes apostas; mais apreciamos a raridade que é encontrar um dharma que viceja verdejante. A gratidão é inevitável. Temos bons modelos onde nos fiar.

Mas não paremos por aí. Onde poderíamos ver apenas nomes esquisitos, de difícil pronúncia, amarelecidos pelo tempo, é preciso que nos enxerguemos. Todos eram pessoas como nós, nascidos de pai e mãe, bebedores de leite. De suas vidas, tirantes suas carreiras como professores e mestres, sabemos quase nada: alguns casos e crônicas e frases e ditos e escritos. O resto, “desnecessário”, perde-se - e talvez seja útil que assim o seja. Podemos encontrar nas entrelinhas, porém, as incontáveis histórias que ficaram e ficam por contar: as nossas. Não tão memoráveis, ou tão heroicas, e provavelmente fadadas à maré do esquecimento, como os nomes de nossos bisavós. Estas incontáveis vidas todas são, contudo, o solo fecundo onde se enraíza a prática, onde floresce o Despertar. Sem elas, a história de todos estes grandes homens e mulheres são folhas secas jogadas ao vento.

É preciso um esforço, o esforço da lembrança, para cimentar a memória efêmera – e não há nada mais efêmero do que uma lista de cem nomes. Efêmera e tênue é a transmissão: diz-se que, logo depois do seu Despertar, Shākyamuni ficou tentado a simplesmente permanecer em silêncio e usufruir a sua realização, a não ensinar o dharma - dharma tão sutil, tão difícil, tão sujeito a más interpretações. Foi preciso uma “intervenção divina” para que ele mudasse de ideia. O velho abade poderia ter ficado quieto. Bodhidharma podia ter ficado em casa, em vez de ir para o Leste. Que “chama” é esta que transmitiram, que segue contínua até os dias de hoje? Eu não sei dizer.

Enō foi acompanhado de noite, pelo velho abade, até estar a uma distância segura para seguir viagem. Logo antes do abraço final, entre recomendações, o velho abade fala: “Se você conseguir despertar a mente/coração de outra pessoa, esta pessoa não será nada diferente de mim.”

***

Os dados da história de Huìnéng, inclusive as falas do "velho abade", foram retiradas do Sutra da Plataforma, especialmente o primeiro capítulo, autobiográfico; tradução de Yampolsky, The Platform Sutra.

A descrição de Ānanda é do Denkōroku; o episódio da sua reação à morte do Buddha é relatada, de diversos modos, em vários sutras do cânon páli e sutras mahayana.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Grande dúvida

Deves duvidar profundamente, sempre e sempre, perguntando a ti mesmo o que poderia ser o sujeito que está ouvindo. Não preste atenção aos vários pensamentos ilusórios e ideias que possam te ocorrer. Apenas duvide mais, e mais profundamente, concentrando em você toda a força que há dentro de ti, sem mirar em coisa alguma e sem esperar nada em adiantado, sem pretender ser desperto e sem nem mesmo pretender não pretender ser desperto; torne-se como uma criança em teu próprio peito.

Takasui, mestre zen (rinzai?) japonês, século XVII

Não é interessante, a última frase?

Dizem que para a prática do zen é preciso uma grande confiança/fé, uma grande dúvida e uma grande determinação. Hakuin é outro mestre rinzai que enfatiza a "dúvida", especialmente na prática com kōan.

Nusuth, como diriam os handdaratas de Gethen.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

terça-feira, 24 de maio de 2011

Além da dor

Quem quer passar além do Bojador,
Tem que passar além da dor.

Ir além de: precisamos de uma clarificação. No nosso andar cotidiano passamos pelas coisas - e as deixamos para trás. As coisas "aproximam-se" e "distanciam-se". Neste aproximar e distanciar, algumas vezes dizemos que vamos "além de" algo. Ultra-passamos, trans-passamos, "para"-passamos. Deixamos para trás; nós e as coisas estamos "além".

A dor também é algo que se nos aproxima e distancia. Podemos sentir a sua aproximação e dela nos refugiar, abrigar, proteger. Sentados peri-imóveis, vemos a sua aproximação. A mão de ferro da dor nos comprime, devagar mas sem hesitação: é decidida, não duvida. Nos deixamos ficar tensos na compressão deste amplexo.

Assim estamos, então, sentados e em dor. A dor está presente: aproximou-se, porém não se distancia. Diferindo de um ponto pelo qual passamos e deixamos "para trás", a dor permanece. Se desistimos do nosso sentar, evitamos a dor - nos abrigamos dela. Mas assim vamos para além dela? Não; somente a anulamos como possibilidade de ser. Ela torna a ser quando as condições estão postas. Torna-se claro que ir além da dor, então, não é dela se distanciar como algo no mundo, como o seria ir além da árvore na esquina. "Ir além" da dor é ultrapassa-la incluindo-a.

Ultrapassar incluindo é como virar a luz da vela para iluminar a chama.

Ao sentar, sentimos a dor. Ela continua existindo, como dor, mesmo quando vamos "para além" dela. Não nos tornamos insensíveis, dela, como dor; não fugimos. Lá - aqui - ela está e continua.

É preciso a aguda e perfurante determinação para ir além da dor; é preciso uma cálida paciência para aprender a soltar, relaxando, nosso corpo da gélida mão pétrea da dor. É por isto que ir além da dor sempre foi descrito em tons heroicos; determinação e "coragem" são a marca do herói - força de leão, olhar de águia. Fora isto, ir além da dor não tem precisamente nada de heroico; é simplesmente a pura determinação de vivenciar o shikantaza em sua simplicidade.

*****

O melhor a fazer, com relação a dor durante o zazen, é: vá um pouco além do ponto que você costuma aguentar. Depois, simplesmente troque de posição, se preciso. Ficar com a dor "heroicamente" deve ser uma escolha, e não uma obrigação. Não faça mal a si mesmo, a dor é um bom sinal de algo que não está tão bem assim.